Fecundação do óvulo por um espermatozoide In http://tele-fe.com
A
cauda do espermatozóide
RESUMO: Na área da Biologia da Reprodução á ainda
comum a noção de que a cauda do espermatozóide fica do lado de fora do oócito
quando ocorre fertilização. Tal não corresponde à verdade: a cauda do
espermatozóide entra totalmente no oócito, sendo um centríolo do gâmeta
masculino crucial para organizar o centrossoma do zigoto, e dar início às
mitoses no embrião. As mitocôndrias paternas presentes na cauda do
espermatozóide são, no entanto, degradadas após a fertilização, justificando a
herança exclusivamente materna do DNA mitocondrial.
No ensino das Ciências a evolução do conhecimento faz com que a
desatualização seja um problema constante. Um professor que se dedique às
Ciências em geral, e à Biologia em particular, teve várias vezes ao longo da
sua carreira de passar a ensinar o que pensava ser impossível, o equivalente a
informar alunos que D. Afonso Henriques afinal não era quem sempre se pensou.
Muitos livros de texto, a todos os níveis do conhecimento continuam a
insistir na ideia incorreta segundo a qual a cauda do espermatozóide fica do
lado de fora do oócito, e apenas a cabeça entra, como se pode ver na fig. 1. Um
erro persistente que se tem perpetuado ao longo de décadas.
Figura 1 – Um erro na literatura científica. Esquema referindo que a
cauda do espermatozóide não entra no oócito aquando da fertilização, de modo
que o DNA mitocôndrial é herdado apenas por via feminina.
Fora alguma exceções (que são isso mesmo), a cauda do espermatozóide
entra no oócito aquando da fertilização em todas as espécies (incluindo
humanos, Drosophila, ratos, animais domésticos, ouriços-do-mar, etc., etc.),
como no esquema da fig. 2.
Figura 2 – A fertilização em humanos: a entrada do espermatozóide
(cauda incluída, ao cimo e à direita) num oócito secundário, com conclusão da
meiose feminina, formação e aposição de pronúcleos masculino e feminino utilizando
o centrossoma trazido pelo espermatozoide, organização do fuso acromático e
realização da primeira mitose.
Resultados de experiências, apoiam a fig. 2 e mostram resultados de
experiências, como testemunhado pelas imagens de zigotos e embriões reais das
figuras 3, 4,5, 6 e 7.
Figura
3- Pronúcleos
masculino e feminino após fertilização. É fácil distinguir o DNA masculino
(marcado a azul em baixo) do feminino (marcado a azul em cima) precisamente
porque as mitocôndrias do espermatozóide (marcadas a verde, seta) que fazem
parte da cauda estão ligadas ao DNA do gâmeta masculino.
A cauda do espermatozóide tem uma importância muito relevante na
fertilização. Na parte anterior da cauda há um centríolo, que duplica após
entrar no oócito, formando o conjunto de centríolos do zigoto, o centrossoma,
que tem como missão nuclear microtúbulos que vão, primeiro, unir os pronúcleos
masculino e feminino fig. 4 e, mais tarde, organizar o fuso cromático para
separação de cromossomas na mitose do zigoto.
Figura
4- Herdamos os
centríolos (centrossomas) dos nossos pais. Após entrar no oócito, um centríolo
da cauda do espermatozóide (à esquerda na figura), duplica e transforma-se no
centrossoma do zigoto (à direita na figura), que irá polimerizar microtúbulos
de modo a unir os pronúcleos feminino e masculino. Mais tarde, e como em
qualquer mitose, este centrossoma duplica de modo a formar dois centrossomas
que definirão os pólos do fuso acromático na primeira divisão mitótica do
embrião.
Herdamos as mitocôndrias exclusivamente por via materna. Esta é uma
informação correta que não devemos deixar de transmitir (Ramalho-santos, 2009) O que acontece é que
as mitocôndrias paternas são distintas das do oócito, e destruídas no embrião
após fertilização (sobretudo entre os estádios de 2 e 4 células), como mostra a
fig. 5 (Sutovsky, 1999, 2000) . O processo utilizado na destruição de mitocôndrias
paternas inclui lisossomas e o sistema ubiquina-proteossoma e, caso seja
inibido artificialmente o embrião ficará com dois tipos de DNA mitocôndrial
(como se pode ver na fig. 5D)
Figura 5- Destruição de
Mitocôndrias Paternas no Embrião após Fertilização. As mitocôndrias da cauda do
espermatozóide são degradadas nos estádios iniciais do desenvolvimento (setas
das imagens a,b,c e d). caso o processo de destruição seja inibido
artificialmente o embrião ficará com dois tipos de DNA mitocondrial (imagem d,
com as mitocõndrias paternas a verde ainda visíveis num embrião de 8 células)
Na questão da
cauda do espermatozóide o desafio é, simplesmente, reconhecer que a Ciência
evolui; e que é preciso ter a humildade para poder pedir ajuda quando haja
dúvidas, e mudar erros sempre que os encontremos. Mesmo que isso implique
corrigir informação que sempre achámos que eram assim. A beleza, o fascínio e o
poder da atividade científica resultam disso mesmo.
Bibliografia
Ramalho-Santos j.; Varum S.; Amaral, S.; Mota,
P.C.; Sousa A.P.; Amaral, A. (2009). Mitochondrial
functionality in reproduction: from gonads and gametes to embryos and embryonic
stem cells. Human Reproduction Update. 15:553-572.
Ramalho-Santos j.(2012). Meiose e Gametogénese.In Biologia Celular e
Molecular (Carlos Azevedo & Cláudio Sunkel, coordenadores), 5ª ed., LIDEL-
Edições Técnicas, Lisboa, pp. 417-435. ISBN 978-972-757-692-0
Schatten G. (1994). The
centrossome and its mode of inheritance the reduction of the centrosome during
gametogenesis and its restoration during fertilization.
Simerly (1995)
Sutovsky, P.; Moreno, R.D.; Ramalho-Santos, J.;
Dominko T.; Simerly, C.;Shatten G.; (1999). Ubiquitin
tag for sperm mitochondria. Nature 402:371-372.
Sutovsky, P.; Moreno, R.D.; Ramalho-Santos, J.;
Dominko T.; Simerly, C.;Shatten G.; (2000). Ubiquitin sperm mitochondria,
selective proteolysis, and the regulation of mitochondrial inheritance in
mammalian embryos. Biology of Reproduction. 63:582-590.
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